A influência das oficinas de escrita na nova literatura alagoana

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A influência das oficinas de escrita na nova literatura alagoana

A Folha Fecomércio convidou dois poetas recém-publicados que falaram sobre as experiências com oficinas de escrita realizadas pelo Sesc

04/09/2019 às 14h39

[caption id="attachment_20431" align="aligncenter" width="739"] O Sesc está na biografia da maioria dos escritores alagoanos da nova geração[/caption]

Feche os olhos, imagine um escritor trabalhando. Um corpo solitário, sentado em frente ao computador, fitando uma vírgula, sofrendo com a dúvida e com o desejo de resolver todos os problemas do mundo no fim de um parágrafo; ao fundo, o cheiro do dia nascendo. Não é só isso. A solidão não é mais tão companheira do ofício do poeta. Afinal, é preciso viver para escrever. Conhecer a linguagem como poucos, para torcer as línguas. É para isso que servem as tantas oficinas, cursos e reuniões nos fundos dos bares e cafés. Em todo o país, o Sesc realiza diversas ações literárias com o objetivo de fomentar a disseminação da leitura e a produção de livros. Em Alagoas, a instituição vem influenciado diversos autores. Foi o que aconteceu com Jean Albuquerque e Fátima Costa, que depois de participarem de algumas dessas ações, publicaram, respectivamente, os livros de poesia “Os deuses estão embriagados de uísque falsificado” (Sirva-se, 2019) e “Valsa Triste” (Graciliano, 2018). A Folha Fecomércio convidou os autores para uma conversa sobre o processo de escrita e as experiências de aprendizagens.

Folha Fecomércio - Por que escrever?

Jean Albuquerque - Escrever para sair do lugar comum, para ser lembrado. Escrever para trabalhar as neuroses internas. Pôr pra fora o que rasga e inflama. Para não sair por aí cometendo crimes. São tantas as razões que fica difícil definir o que de fato seria a minha principal motivação. Escrever vem do latim: “scrībo” que significa traçar uma linha, marcar, assinalar, gravar, desenhar, representar em caracteres. Alguns entusiastas também diriam que escrever é um movimento em busca da cura.

Fátima Costa - Escrevo porque ser leitora não é o bastante. Pelo menos hoje. A literatura me acompanha desde o ensino médio, foi meu objeto de estudo na universidade e agora faz parte da minha profissão, pois sou professora de Língua Portuguesa e, agora, também me reconheço como escritora.

Folha Fecomércio - Diante da modernidade que otimiza as expressões escritas por meios visuais, o livro ainda tem seu espaço circulando entre estantes e mochilas?

Jean Albuquerque - Por mais que modernizem as empresas e os arquivos em papel se tornem acervo digital, o livro ainda será um objeto capaz de trazer uma memória afetiva e de ser um companheiro quando tudo e todos desistem de você. No meu caso, sempre ando com um livro na mochila. Para todos os lugares. Companheiro até o resto dos meus dias. Sinto que falta algo quando olho a bolsa e não vejo nenhum livro dentro.

Fátima Costa - Acredito que sim. Eu, por exemplo, não me desfaço dos meus livros e tenho um lugar especial para eles em casa. Há também opções como o leitor digital que barateia o custo do livro (que é ainda é muito caro no Brasil) e possibilita uma praticidade ao leitor, que pode carregar uma biblioteca num aparelho muito leve.

[caption id="attachment_20438" align="aligncenter" width="710"] "Escrevo porque ser leitora não é o bastante."[/caption]

Folha Fecomércio - Enquanto autores, quais as alternativas para instigar no universo infanto-juvenil o gosto pela leitura?

Jean Albuquerque - O leitor precisa ser formado e o melhor lugar para isso é no ambiente escolar. A leitura não com imposição, mas como apontamento para uma nova descoberta. O que está em jogo, nesse sentido, é a preferência de cada leitor. Não dá para formar leitor descendo goela abaixo livros e livros só para cumprir o currículo escolar. Não funciona!

Fátima Costa - Uma estratégia interessante para instigar o gosto pela leitura no público adolescente, é apresentar livros que façam parte do universo deles, e, a partir disso, inserir, de acordo com a aceitação de cada um, obras que o incentivador julgue interessante para eles conhecerem. Acredito que o gosto pela literatura pode ser dado através do diálogo, de como a leitura de uma determinada obra é imposta aos jovens.

Folha Fecomércio - Como é o seu processo de escrita?

Jean Albuquerque - Quando tenho algum projeto em mente, a preparação de um livro ou algum texto para submeter a prêmios, vou escrevendo sem nenhuma rotina específica até conseguir me livrar da angústia que é a sensação de não dar conta do texto. Daí vou passar madrugadas tentando ou o dia inteiro fazendo anotações até chegar num momento em que eu me sinta satisfeito. Escrever é um ato solitário. A solidão para a produção do texto literário é como um leão de chácara dos bares e casas de show ou um cão fiel ao seu dono.

Fátima Costa - Quando surge uma ideia, eu anoto no celular e tento escrever ao menos um esboço e salvá-lo na nuvem. Não lido bem com o acúmulo de notas porque eu as abandono. Acaba surgindo uma outra ideia, uma outra forma de texto, e as notas ficam lá esquecidas, terminando por serem só notas. Eu gosto do esboço, ao menos um parágrafo, deixando pontos a serem ligados depois. E a pesquisa nasce desses pontos. Primeiro eu faço um esboço, pesquiso e retorno ao texto novamente. Esse processo se repete até o texto estar “pronto”.

Folha Fecomércio - As oficinas de escrita criativa estão se proliferando como nunca. Como você lida com esse contato com o outro artista nesses espaços?

Jean Albuquerque - Sem dúvida é um espaço que possibilita muita aprendizagem. Destaco principalmente as leituras propostas e o contato com obras até então desconhecidas. Além da vivência com os outros escritores. Saber da realidade da cidade deles, de como é a cena literária do lado de lá. Os contatos são sempre enriquecedores, de trocas, de aprendizados e etc.

Fátima Costa - As oficinas com escritores de outros estados possibilitam não só um espaço de conhecimento, mas de experiências. Sempre procuro estar presente nessas trocas porque acredito que tenho muito a aprender, como já aprendi muito desde a primeira oficina que participei.

[caption id="attachment_20443" align="aligncenter" width="734"] A experiência no curso trouxe maturidade na escrita. Sem ele eu não conseguiria publicar, montar uma editora independente e ser premiado num concurso de poesias.[/caption]

Folha Fecomércio - Como você soube dos cursos e oficinas de literatura ofertados pelo Sesc? E o que te motivou a se inscrever?

Jean Albuquerque - Pelo site do Sesc. Participei do Laboratório de Expressão e Criação Literária no primeiro ano, em 2014. Escrevia sem muita pretensão. A surpresa veio com a aprovação no curso. À época, já escrevia coisas soltas e queria montar uma pequena editora para lançar meus próprios livros. A motivação para fazer o curso foi, sem dúvida alguma, no intuito de melhorar o que ainda estava muito cru. Ter contato com pessoas que também escrevem e moram na mesma cidade foi outro ponto. E ler autores até antes desconhecidos. A experiência no curso trouxe maturidade na escrita. Sem ele eu não conseguiria publicar, montar uma editora independente e ser premiado num concurso de poesias.

Fátima Costa - Tive a oportunidade de ser estagiária do Sesc Alagoas e foi a partir dessa experiência que tive conhecimento das atividades em Literatura que a instituição ofertava. Nessa época, eu estava satisfeita com a minha condição de estudante de Literatura, mas o Sesc me mostrou o lado criativo da escrita, a possibilidade de também ser escritora, se assim eu quisesse. A motivação, lá, estava em todos os lugares e, principalmente, nas pessoas que participavam e que hoje são meus amigos.

Folha Fecomércio - O que acha das ações do Sesc voltadas para a literatura?

Jean Albuquerque - Enriquecedoras e necessárias. Maceió é uma cidade muito carente quando o assunto são os eventos literários, cursos de literatura. E o Sesc vem fortalecendo essa cena. Proporcionando o público a ter um contato mais estreito com a arte literária. Espero que nunca acabe. E que venham novas gerações de leitores e escritores. Avante!

Fátima Costa - Percebo que as ações proporcionadas pelo Sesc ajudam a fomentar significativamente a produção literária nos dias de hoje. Vejo que muitos autores que foram publicados e premiados ultimamente, foram alunos de cursos ou oficinas ofertadas pelo Sesc.  Penso que nós, leitores e escritores, só temos a ganhar com as atividades que nos são oportunizadas.

Folha Fecomércio - Depois do Laboratório de Expressão e Criação Literária e das oficinas do Arte da Palavra ficou mais fácil escrever?

Jean Albuquerque - Não é que ficou fácil. O trabalho de lidar com textos de qualidade e clássicos da literatura universal faz com que o escritor fique cada vez mais criterioso. Que busque uma perfeição ou efeito que nem sempre vai alcançar. O ato de escrever requer dedicação. Sentar a bunda no computador por horas a fio e escrever, escrever, revisar, dar uma pausa para o texto “maturar” e depois voltar nele para resolver problemas. O curso ajudou dando mecanismos para solucionar essas questões. A ter maturidade para escolher bons livros que irão ajudar nesse percurso árduo.

Fátima Costa - Não. Nenhuma oficina ou curso fará o processo de escrita ser fácil, pois fazer arte é muito difícil. O que o laboratório e as oficinas podem propiciar é um olhar mais crítico sobre a escrita do outro e, de preferência, sobre a sua escrita. Para sermos bons escritores é fundamental sermos bons leitores. Conhecer um pouco de teoria e crítica literária não faz mal a ninguém, pelo contrário, só agrega. Tanto nos laboratórios quanto nas oficinas, temos o contato com a leitura crítica e exercitamos nossa escrita, o que, para mim, é um ponto importante, já que assim lapidamos e amadurecemos aquilo que a gente escreve.

Folha Fecomércio - Por que os leitores atentos e os aspirantes a escritores devem fazer os cursos e oficinas do Sesc?

Jean Albuquerque - O curso é altamente recomendável. Ele ajuda a filtrar as leituras e faz com que o aluno perceba quais são suas qualidades e dificuldades enquanto escritor. Além de possibilitar a criação de uma rede de leitura/escrita, fortalecendo o cenário local e o aparecimento de novas publicações no estado. A maior parte dos escritores que foram publicados por meio de um edital estadual já foram alunos dos cursos e oficinas literárias do Sesc.

Fátima Costa - Vai da necessidade de cada escritor. Participando dos cursos e oficinas, consegui não só desenvolver a minha escrita, mas também um olhar crítico sobre aquilo que escrevo. É interessante lembrar que nesses encontros os textos são partilhados e isso torna a experiência mais rica. Saber fazer e receber críticas é um exercício que também temos que praticar. Eu recomendo a participação.

[caption id="attachment_20434" align="aligncenter" width="746"] As publicações vieram depois do contato com o Laboratório de Criação Literária[/caption]

Texto e fotos: Lucas Litrento (estagiário) para a Folha Fecomércio (com adaptações)

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